sexta-feira, 17 de junho de 2011

“O senhor vai voltar à política?”

Uma pergunta que, sem dúvidas, ajudou a mudar a história do Brasil. A entrevista de Getúlio Vargas concedida ao jornalista Samuel Wainer é um exemplo clássico de grandes entrevistas, que não apenas entram para a história, e sim, que modificam, escrevem e marcam acontecimentos importantes. Publicada em 1949, em O Jornal, representou o começo da caminhada que levou Vargas, até então ex-presidente e senador, de volta à presidência do país.
A resposta foi sim. Vargas anunciou que voltaria, “não como líder político, mas como líder de massas”.
E assim como publicou Fábio Altman, no livro “A arte da Entrevista”: Com efeito, ao apertar pela última vez as mãos do seu inesperado visitante jornalístico, o senhor Getúlio Vargas, respondendo a uma de suas perguntas mais insistentes, disse textualmente: “Pode publicar que voltarei para o Rio em abril, ou no máximo em maio próximo.”
“E por que não foi ou não pensa em ir antes, senador?”
A resposta veio acompanhada por uma de suas saudáveis e características gargalhadas:
“Porque ainda faz muito calor no Rio de Janeiro.”

A entrevista na íntegra pode ser encontrada no livro “A arte da entrevista”, com organização de Fábio Altman.

Texto e Postagem: Camilla Alves

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Entrevista de Ferreira Gullar para o Weydson Barros Leal.


Weydson — Há uma geração de poetas, posterior à sua, para quem os referenciais literários são completamente diversos dos chamados "luminares" da poesia moderna brasileira. Fale um pouco sobre isso.

Gullar — Na verdade, é uma geração que absorveu uma certa desordem e deu a ela uma ordem que é diferente da nossa. Para eles, Quintana, por exemplo, tem uma importância muito maior do que Drummond e outros que foram os orientadores, os "luminares" da nossa geração. O Quintana tem mesmo algo muito pessoal, é um poeta muito interativo, que tem muito humor, ele é diferente... E é por isso que eu também acho importante abrir a discussão, torná-la um pouco mais aberta a coisas diferentes da gente.

Weydson — Numa entrevista recente, você disse que escreve esporadicamente, e só quando tem "algo novo a dizer". Você acha que o que difere o bom poeta dos demais é esse discernimento na hora de escrever?

Gullar — Sim, claro. Eu não estou querendo estabelecer um "democratismo" que inclui tudo. Mas eu acho que de um determinado patamar em diante todos são poetas, quer dizer, quando você chega no patamar de Vinicius, Jorge de Lima Murilo Mendes, Drummond, todos são poetas... Eu me lembro quando comecei a ler Murilo Mendes — eu era garoto em São Luiz — Mundo Enigma, Poesia Liberdade, eu achei aquilo tudo deslumbrante. Eu deitava na minha rede, à tarde, e punha do lado uma pilha de livros. Todos os dias eu lia Manuel Bandeira, Drummond, Murilo Mendes, Jorge de Lima. Eu adorava todos eles. Eu não estabelecia aquela coisa de que um era melhor de que o outro. Quando eu lia Bandeira, eu gostava daquela emoção contida, pura; depois eu pegava o maluco do Murilo Mendes e lia aquelas coisas: "as nuvens jogam boxe"..., depois ia para Drummond, aquele troço mais denso... Eu sempre procurei passar pros jovens, depois, quando eu já estava mais experimentado, essa idéia da pluralidade, sempre a idéia da pluralidade.

Weydson — E nessa época de S. Luiz, ainda dentro dessa idéia da pluralidade, você chegou também a conhecer poetas estrangeiros?

Gullar — Sim, claro. Alguns eu já havia tido oportunidade de conhecer. Foi aí que eu comecei a aprender francês por minha conta. Pegava umas traduções. Um dia um amigo me mandou as Elegias de Duíno, e eu adorei o Rilke. Agradeci com uma carta entusiasmada dizendo "que poeta maravilhoso", daí eu saía atrás de outros livros desse poeta. E assim, nessa procura, eu fui conhecendo Valéry, Rimbaud, Mallarmé.

Weydson — Que poeta, ou poetas, você recorda de ter, nessa época, mexido realmente com você?

Gullar — Na verdade, não foi um ou dois. Alguns poetas me revelaram o que era a poesia. Porque o fundamental é saber "o que é a poesia". Você nunca chegará a Teresina se não souber pra que lado fica Teresina. Eu não digo que a poesia seja uma coisa definível, mas você tem de saber o que é isto: "aonde eu quero chegar"; ou seja, esse "aonde eu quero chegar" tem de existir. Eu me lembro quando li Fernando Pessoa, Drummond, Valéry, e alguns versos me marcaram ao me mostrar o que era a poesia, como quando Valéry dizia: "Beau Ciel, vrai ciel, regardez-moi, qui change". Isso não é apenas uma idéia, mas a sua colocação diante da realidade...

Weydson — Então a poesia, como a arte em geral, é uma forma de fugir da realidade?
Gullar — Eu não diria que é uma forma de fuga, porque ao mesmo tempo ela procura tomar a vida possível. Ela não quer sair da vida. O homem não faz poesia para sair da vida, ele faz poesia para ter coragem de viver. Além disso, há o fato de que o homem nasce pra morrer. Então, nada tem sentido. E por isso a religião existe, porque ela é a resposta para isso, porque ninguém agüenta...

Weydson — Você tem religião?

Gullar — Não, infelizmente.

Weydson — Por que "infelizmente" ?

Gullar — Porque é bom ter religião. A religião é que alivia você desse pesadelo de que o cara nasce pra morrer. Entremente, você ama, faz poesia, se diverte, faz o que quiser. Agora, numa certa altura da sua vida, quando você leva uma porção de cacetadas é que a morte passa a existir - porque no começo a morte é apenas ficção: você sabe que se morre, mas você não pensa que você vai morrer — mas no momento que ela passa a existir, no momento que morre seu filho, aí é verdade... Na hora que morre o seu amigo querido, aquele que lutou com você, que era seu companheiro (ou sua companheira) e que não existe mais, aí...

Weydson — Apesar de dizer que a morte era um ficção, em toda sua vida — pela própria condição de intelectual contestador, poeta, pensador, em épocas de ditaduras e regimes totalitários — você esteve sempre no limite do risco de morte, ou muito próximo desse limite...

Gullar — A morte é um tema permanente em minha poesia, e eu sempre achei insuportável ter que morrer. A minha poesia está cheia disso, dessa luta com a morte. Mas, hoje, olhando bem, eu vejo que aquilo era brincadeira. Porque eu nunca tinha sentido de fato a morte, eu nunca a tinha palpado.

Weydson - É mais fácil, então, escrever sobre a morte quando não a sentimos tão próxima?

Gullar — Até o amigo, ela ainda é suportável; o negócio é quando você perde um filho... Porque no fundo, esse é o processo da própria vida. E talvez o homem seja constituído de maneira a não conhecer a realidade toda de uma vez, porque, assim, acho que ele não agüentava...

Weydson — Isto quer dizer que o conhecimento da "verdade" seria insuportável?

Gullar - Mas a verdade absoluta não existe...

Weydson — Então como funciona, a seu ver, o processo da criação de tudo?

Gullar — Eu sou uma pessoa perplexa diante do absurdo da existência. Quando eu ouço na televisão que todo o sistema solar é algo em torno de O,2% da massa do sol e que o sol é uma migalha no que se conhece do universo, é uma loucura... (risos) Então o que é meu gatinho (mostrando o seu gato no tapete) dentro disso tudo? Essa idéia de que houve um tempo em que era o Nada é um absurdo, não é possível imaginar que algum dia era Nada... mas é fascinante imaginar que cada um de nós faça parte dessa coisa extraordinária que é o universo.

Weydson — Você acha que os críticos dão excessiva importância à sua poesia política ?

Gullar — A fase estritamente política de minha poesia é muito reduzida, e o número de poemas realmente políticos é insignificante. Mas os críticos, de repente começam a me colocar como se eu fosse um poeta político porque, como cidadão, fui realmente muito atuante. Eles confundem a coisa. A mesma coisa é o concretismo na minha poesia. Esse é um período que dura na verdade poucos anos, e as obras que escrevi aí são de quantidade reduzida. E se eu tivesse insistido naquele caminho eu jamais teria escrito o Poema Sujo, Dentro da Noite Veloz, Na Vertigem do Dia, coisa que me gratificam porque eu sei que representam uma experiência de vida e emoção nas pessoas. E eu sei disso porque as pessoas me dão retorno.


Weydson — Sempre que você fala "Academia" eu sinto algo distante, ironicamente distante. Você nunca pretendeu, ou não pretende, entrar pra Academia ?

Gullar — Eu acho que Academia e Poesia são incompatíveis. Eu não tenho nada contra as Academias, mas acho realmente que a cultura tende a se institucionalizar. É um absurdo imaginar a cultura como mera manifestação individual ou sempre marginal. Isto não tem saída. Pelo próprio processo da sociedade a tendência da cultura é se institucionalizar e nisso não há só perdas, há ganhos. Isto é uma coisa. Agora, eu, pessoalmente, com o meu temperamento, e com a minha maneira de ver a poesia, eu me sentiria mal, seria como se eu estivesse me traindo.

Weydson — O que aconteceu entre Josué Montello e Antônio Houaiss, pela sucessão da presidência lhe incomoda?

Gullar — Não, porque eu acho que aquilo é próprio da Academia. Nada mais natural, na Academia, do que isso. Porque, afinal, se trata de uma entidade onde está se disputando o poder. É um aparato social que como todo aparato social tem lá suas coisas.

Weydson — Mas como você vê isso numa Academia de Letras?

Gullar — O que eu acho é que a Academia é uma instituição anacrônica. Primeiro o cara se vestir de fardão e espada, cara, da Academia tem minhas amigas, pessoas que eu admiro como grandes escritores. Tem muitos, dentro da Academia, de modo que essa minha crítica não vai em detrimento deles. Agora, que a Academia é anacrônica, é. Não serve pra nada. Para que serve a Academia? A Academia não tem função alguma. É uma instituição meramente consagratória. Mas aí ela peca. Porque ela consagra, muitas vezes, quem não tem razão de ser consagrado.

Weydson — Mas qual a diferença entre a Academia e o Conselho Federal de Cultura, do qual você faz parte ?

Gullar — O "Conselho" é outra inutilidade. Veja vem, o Conselho não "aconselha"! Pode até aconselhar, mas o ministro não ouve! Então, serve para quê ? Não serve pra nada.

Weydson — Mas isso não depende de que o Ministro esteja à frente do Ministério da Cultura?

Gullar — Não, não depende. Isto é uma outra coisa. Esse ministro aí está desrespeitando as pessoas. Porque o Conselho existe institucionalmente. Dentro da estrutura do Ministério. O Conselho existe e ele não pode desconhecer isso.

Weydson — E o que seria preciso para resolver o problema?

Gullar — O ministro teria que abrir uma discussão com o Conselho para saber que destino dar àquilo. Uma reestruturação. De que maneira integrá-lo ao Ministério de modo eficaz. Isso é o que tinha que ser, e não fazer de conta que não existe.

Weydson — E por quê, então, o Conselho é uma "inutilidade"?
Gullar - Pelo seguinte: Quando o Conselho foi criado não existia o Ministério da Cultura. O primeiro Conselho criado dentro do Ministério da Educação exercia funções que hoje são do Ministério da Cultura, então, no momento que o gerou o pinto e o pinto saiu do ovo — quer dizer, o Ministério da Cultural saiu do Conselho de Cultura, e nasceu o Ministério, o Conselho deixou de existir; ele é uma "casca", o pinto já está "cantando de galo".

Weydson — Mas ainda assim, o Conselho não seria um fórum mais democrático para gerir a cultura do que um Ministério ?

Gullar — Mas o problema é que no momento em que você cria um Ministério da Cultura e há um Ministro, das duas uma, ou o Ministro dirige o Ministério ou o Conselho.

Weydson — Eu sei que até pouco tempo você participava ativamente do carnaval de rua do Rio de janeiro, saindo inclusive à frente da Banda de Ipanema, como um dos mais animados foliões. Você ainda participa do Carnaval de rua?

Gullar — Eu sempre tive muita ligação com a música popular, e quando me casei com a Thereza (minha falecida esposa) ela era uma pessoa ligadíssima em música popular, o que era uma de nossas muitas afinidades. Como ela era carioca, desde que nós nos conhecemos ela se interessava muito pelos desfiles de carnaval. Nessa época — logo que cheguei ao Rio — eu tinha visto apenas um desfile, sozinho, trepado numa caixa de querosene lá na avenida. A partir daí, nós começamos a ir todos os anos. No início era na Avenida Presidente Vargas, em 54, 55, por aí. Depois nós arrastamos pelo nosso itinerário o Vianinha, o Paulo Pontes, o pessoal do CPC (Centro Popular de Cultura) também, e passamos a freqüentar e participar de todos os desfiles. Mais tarde, a Thereza passou até a desfilar no Salgueiro.

Weydson — E você?

Gullar — Na verdade, eu nunca quis desfilar. Porque aí não combinava muito com a minha cabeça...

Weydson — E na Banda de Ipanema?

Gullar — Mas a banda era um bloco de sujos. Então saíamos em grupo, brincando e tomando cerveja. Mas depois a própria Banda de Ipanema virou uma bagunça e foi de certo modo tomada por um pessoal meio barra-pesada e começou a ser perigoso, porque de repente sumia teu relógio, etc. Por isso eu passei mais a olhar do que participar. Até dois anos atrás eu ainda fui...

Weydson — Você chegou a ter uma amizade próxima com Manuel Bandeira? Como era a sua relação com ele?

Gullar — Eu nunca me aproximei dos grandes poetas da época. Nem do Drummond. No entanto, com quem eu tive certa proximidade foi com o Murilo Mendes, mas porque ele era amigo do Mário Pedrosa, e dele eu me aproximei porque ele não era poeta, mas crítico de arte. Porque quando eu cheguei ao Rio eu procurava não os escritores, mas os artistas plásticos e os críticos, e especialmente o Mário Pedrosa. Como ele era muito amigo do Murilo Mendes, me levou à casa dele e eu me tomei amigo do Murilo Mendes. E fui várias vezes à casa dele. Agora, o Bandeira eu conheci porque eu trabalhava no jornal do Brasil e ele era colaborador do jornal. E o Bandeira era uma simpatia de pessoa. Murilo, que também era simpático, delicado, estabelecia uma ligação um pouco distante pelo temperamento dele. Já o Bandeira era uma pessoa afetuosa, e despretensiosa. Ele não tinha essa mística de gênio, imortal, não. Inclusive, na época, incluiu uma referência a mim naquele livro dele que faz um estudo da poesia brasileira e traz uma antologia. Ele incluiu um poema meu na então nova edição do livro em que é feita uma menção à Luta Corporal. E como ele sempre ia levar a colaboração dele no jornal a gente conversava, se encontrava na esquina. Ele sempre muito engraçado, muito irônico... Então nossa relação foi essa, de jornal...

Weydson — E com o Drummond?

Gullar — O Drummond era uma pessoa mais fechada. Com o tempo também nos conhecemos através de encontros ocasionais, no lançamento de livros dele, em enterros de amigos comuns... Evidentemente ele tinha conhecimento de minha poesia. Quando eu mandava um livro meu para ele, ele às vezes respondia com um bilhete, com um livro oferecido, sendo sempre muito cordial. Mas havia gente que ficava ligando pra ficar conversando no telefone. Como não sou muito de telefonar, nunca mantive esse tipo de relação com ele. No entanto, havia uma relação carinhosa e respeitosa entre nós. Eu o respeitando como um grande poeta, como um mestre, e ele sendo gentil comigo.

Weydson — Como você vê o momento literário no Brasil de hoje?

Gullar - É muito difícil fazer generalizações. Há momentos em que, não se sabe por que, se produz muita literatura de qualidade, e há momentos em que se produz quase nada. Ninguém sabe o que determina isso. Assim como em determinadas épocas a pintura e a música florescem e em outras não. Eu sempre cito como exemplo o final do século XIX na França. Nunca vi tanto pintor genial junto. É inacreditável: Manet, Monet, Pissaro, Renoir, Cézanne, e em seguida, Gauguin, Matisse, Rédon, e depois é Picasso, é Braque... É inacreditável quando você pega da segunda metade do Séc. XIX até os anos 20, a quantidade de artistas geniais. Mas de repente pára. Qual é o cara genial que tem lá agora? Ninguém. Esses fenômenos são inexplicáveis. É claro que, às vezes, o florescimento cultural depende do florescimento econômico. Por exemplo: Ouro Preto, antiga Vila Rica. Lá você teve o florescimento da escultura, da arquitetura, numa cidadezinha no interior do Brasil, no séc. XVIII. Em compensação você tem exemplos de grande florescimento econômico sem ter o cultural. É claro que sem riqueza nenhuma você não constrói igrejas; você não pode produzir livros se não tiver recursos; mas você pode ter os recursos e não produzir. Todo mundo sabe que a criação artística é individual. Você pode até trabalhar em equipe, mas é uma soma de individualidades criadoras. Não existe a criação coletiva por si mesma. Então, o que importa, é que agora um poeta, um garoto de 17 anos, esteja lá no interior do Rio Grande Sul, ou de Pernambuco, fazendo uma grande poesia que nós ainda não conhecemos.

Weydson — Você acha que hoje ainda é preciso que esses novos talentos venham para o Rio de janeiro para terem suas obras reconhecidas?

Gullar — É claro que, onde ele estiver, ele terá que se manifestar, que se expor ao público, do contrário ele não será conhecido. Mas eu acho que no Brasil de hoje não há mais aquela necessidade de vir para o Rio de Janeiro para ser reconhecido. Há vários exemplos de artistas e escritores que vivem em seus estados e são reconhecidos. É claro que o Rio de janeiro e São Paulo continuam a ter uma capacidade de repercussão maior; sobretudo o Rio. Aqui essa capacidade é até maior do que em São Paulo. Isso faz parte da história brasileira. Entretanto, o grande escritor, o jovem poeta não precisa morar no Rio de janeiro. O que acontece é que, como hoje não há crítica literária, há uma dificuldade muito grande pra tudo que é escritor e poeta, more ele no Rio ou não. A crítica literária acabou, não existe mais. 









Texto de Luiz Eduardo Guimarães
Postado por Flávia Pereira

Entrevista com Santos Sumont

Alberto Santos Dumont foi um dos grandes personagens da história brasileira e também mundial. Aeronauta, esportista e inventor brasileiro, Santos Dumont é considerado por muitos, como o inventor do dirigível, do avião e do ultraleve.
Publicada pelo projeto “Santos-Dumont, de próprio punho”, uma reveladora entrevista dada ao jornalista Frantz Reichel para a revista francesa “Lectures pour tous”, em 20 de outubro de 1913, o pai da aviação fala sobre sua paixão pela conquista do ar, como seu interesse por voar começou e até sobre lembranças pessoais. A entrevista foi um dos destaques da primeira edição de 1914 da “Lectures pour tous”, tendo sido concedida um dia após a inauguração do famoso monumento do Ícaro, construído em Saint-Cloud para marcar o pioneirismo do brasileiro. Acredita-se que foi uma das últimas entrevistas do inventor antes da I Guerra Mundial, fato que iria mudar para sempre a Europa e também sua vida.

Todos sabem que pioneiro da conquista do ar foi o famoso Santos-Dumont. Não seria interessante aprender com ele de onde veio sua vocação, como realizou seus primeiros ensaios e o que pensa do futuro da aviação? Em nome da “Lectures pour tous”, um repórter reconhecido pelo seu conhecimento em assuntos esportivos, o Sr. Frantz Reichel, solicitou que ele respondesse a estas diversas perguntas. É esta entrevista tão instrutiva, alimentada por fatos e ideias, com o Sr. Santos-Dumont e o nosso colaborador, que os nossos leitores vão encontrar aqui.

Quando e como (eu o interrompi) o senhor foi conduzido a se envolver com a aeronáutica, a se tornar o pioneiro da conquista do ar?
De maneira bem simples, que provavelmente parecerá inverossímil e extraordinária: graças às leituras de minha juventude fui influenciado a me apaixonar pela conquista do ar. E atribuo essa paixão ao maravilhoso romancista cujo gênio prodigioso, profético, nunca será célebre o suficiente, a Júlio Verne; espírito surpreendente de previsão que, com uma originalidade científica adivinhadora, construiu espontaneamente todas as grandes invenções modernas. Eu amo e venero Júlio Verne, e seria, da minha parte e da parte de todos, a pior ingratidão não reconhecer a influência considerável que ele teve no imaginário das novas gerações. Foi ele que deu a elas o gosto, a curiosidade pelas tentativas mecânicas mais audaciosas, poder-se-ia dizer as mais monstruosas. Tornou-as verossímeis, e a realidade mostrou que, na verdade, ele havia tido razão. Eu tinha, portanto, a ideia de me empenhar pela conquista do ar, que devia ser para o homem, quando fosse realizada, a causa de novas alegrias provocadas pela sensação vitoriosa de agir de maneira consciente, de viver a seu capricho, a sua vontade, em pleno ar livre. O balão esférico, do qual fui um adepto, não provoca essa sensação, essa exaltação vitoriosa. Quando levantamos em um esférico, não temos essa sensação de ação, essa impressão de movimento. É a terra que parece se distanciar; o aeronauta não tem a impressão de que ascende. Ele permanece como que imóvel”.
Seus primeiros esforços datam exatamente de qual época?
A possibilidade de conquistar o ar me pareceu evidente em 1892-93, ao longo de uma visita feita ao Salon du Cycle, instalado, naquele momento, no Palácio da Indústria de Paris, onde, pela primeira vez, expunha-se motores de automóveis: eles eram bastante pesados, de 40 a 50 quilogramas com ¼ de cavalo-vapor, e logo pensei que a indústria em pouco tempo consideraria outros resultados e que, dada a existência de um motor a explosão suficientemente potente e leve, a conquista do espaço aéreo não seria difícil.
“Não me enganara; em alguns anos, a tecnologia do motor à explosão sofreu extraordinárias transformações, devidas essencialmente ao triciclo a petróleo.
“Desde então, tive pressa de ser o primeiro a navegar em dirigível; eu sentia – como posso dizer? – que a coisa estava no ar. Para estar preparado, eu me envolvera, com empenho, na navegação aérea por meio do balão esférico, desde que se apresentara a ocasião para realizar meus projetos.


Quando o senhor desenhou e construiu seu primeiro dirigível?Foi em 1898 que construí meu primeiro dirigível – um charuto – inflado a hidrogênio, composto por uma pequena barquinha munida de um motor, de uma hélice e de um leme.
“Meu balão havia sido inflado nos ateliês de Henri Lachambre, em Vaugirard, e o dia de minha primeira saída, em fevereiro de 1898, o tempo estava horrível; nevava.
“Essa primeira saída, aliás, quase me foi fatal.
“A cinco ou seis metros de altura, sobre Longchamp, o aparelho, repentinamente, dobrou-se e a queda começou. De toda minha carreira, esta é a lembrança mais abominável que tenho guardada.
“Enquanto o balão caía, perguntava-me se os cabos que sustentavam minha barquinha não se romperiam!
“A queda durou vários minutos e tive tempo de me preparar para a morte.
“O que começara tão mal, de resto, terminou muito bem; aterrissei incólume.

 Qual é, quais são suas mais ternas lembranças?
Tenho tantas lembranças que escolher a mais terna dentre elas, a mais preciosa, é muito difícil, para não dizer impossível. E seria ingratidão.
“Não são, acredite mesmo, os dias que foram, então, considerados como aqueles de vitórias definitivas que ocupam o lugar mais importante no meu coração; recordo-me com maior emoção das primeiras tentativas, daquelas que, consolidando as audaciosas esperanças de uns e outros, e as minhas, mostravam que era de fato possível conquistar cedo ou tarde o espaço aéreo.
“Essas tentativas eram, para mim, o que são, para a mãe e o pai, os primeiros passos de um filho que, entregue à própria sorte, vai dos braços da mãe aos do pai.
“Certamente, passei por uma nobre emoção no dia em que, com felicidade, tive êxito na viagem de Saint-Cloud à Torre Eiffel, ida e volta, pois era o primeiro grande experimento do balão automóvel, mas sabe-se que, cedo ou tarde, por mim ou por outros, ele seria concluído. Tive simplesmente a magnífica sorte de ser o primeiro. Por isso, tal evento me alegrava excepcionalmente, porque provocaria, sem dúvida, emulações e, em consequência, desencadearia progressos cuja humanidade logo se beneficiaria.


 O senhor renunciara completamente à navegação aérea desde 1910. O que motivou o seu retorno?
- Retornei à navegação este ano, porque me pareceu que o motor aeronáutico havia realizado progressos tais, que se podia, enfim, construir os aeroplanos leves, robustos, práticos os quais sonhara. Quis, inicialmente, introduzir-me aos aparelhos modernos, e havia mesmo começado meu treinamento. Tentei, sinceramente, familiarizar-me com os comandos atuais; não tenho a pretensão de criticá-los, mas foi bem difícil adaptar-me a essas manobras, que são contraintuitivas; elas trabalham tanto os pés quanto as mãos e são contrárias aos gestos comandados pelo instinto. Desaprovo isso; tenho medo que, em situações graves, quando o piloto não se controla mais o suficiente, seu instinto, vencendo, dirija-o a movimentos que o fazem se perder em vez de se salvar.
“Havia imaginado um aparelho permitindo o aprendizado fácil desses diferentes movimentos, mas não pude submeter-me a essas manobras e preferi renunciar aos aparelhos modernos para retornar pura e simplesmente à minha “Demoiselle”.

Leia a entrevista na íntegra!


Texto de Priscilla Santos
Postado por Flávia Pereira

Entrevista com Ancelmo Gois

Na juventude, movido pela política foi levado para o Jornalismo através da Gazeta de Sergipe, que pertencia ao Partido Socialista Brasileiro. Aos 20 anos teve a proteção da KGB para viver como Ivan Nogueira na URSS. No retorno ao Brasil depois de outros trabalhos conseguiu realizar o grande sonho de consumo de trabalhar no jornal do Brasil. Hoje aos 62 anos e 47 de profissão tem a coluna mais lida do Brasil. Esse é o Ancelmo Gois o homem que acredita que ninguém está acima da lei. Essa entrevista ele conta sobre sua trajetória de vida, falando da sua participação no movimento estudantil, o seu envolvimento com o Partido Comunista Brasileiro, do exílio na União Soviética e sobre o dilema que viveu entre a política e o jornalismo e que durou até a edição do AI-5, em dezembro de 1968.   




Para ler a entrevista na íntegra clique aqui!




Texto de Carolina Fontes
Postado por: Flávia Pereira

Sivio Santos para a Folha


O empresário Silvio Santos atendeu a um telefonema da Folha. Ele disse que, se alguém pagar o que ele deve ao FGC (Fundo Garantidor de Créditos), que emprestou à sua holding dinheiro para cobrir o rombo do banco PanAmericano, pode comprar o SBT.

Folha - Eu gostaria que o sr. desse uma palavra para o público sobre tudo o que está acontecendo no banco.
Silvio Santos - Não posso porque eu assinei um termo de confidencialidade. Eu assinei um termo de conf... confidencialidade... é até difícil de falar! Não posso comentar nada. Só quem pode falar é o Fundo Garantidor de Crédito.
O sr. se encontrou com o Lula. Falou com ele sobre isso?
Que Lula?
O presidente.
Estive com ele falando sobre o Teleton [programa que arrecada recursos para a AACD]. Ele está me devendo R$ 13 mil [risos]. Tive que dar por minha conta porque ele prometeu e não deu os R$ 13 mil [que disse que doaria].
Eu falei para ele: "Se você der R$ 13 mil, a Dilma pode ganhar a eleição". Porque é o número dela, não é? Não é 13 o número da Dilma? "Pode ser que Deus te ajude e ela ganhe a eleição."
E ela ganhou do mesmo jeito.
Mas aí é que tá: agora tô preocupado [risos]. Ele fez a promessa e não cumpriu.
E o senhor votou nela?
Eu estou com 80 anos. Você acha que eu vou sair de casa para votar? Vou votar é em mim mesmo aqui em casa.
E aquela história da bolinha [reportagem do SBT afirmou que o candidato tucano, José Serra, foi atingido, numa manifestação, por uma bolinha de papel, e não por um objeto mais pesado, como ele dizia]? Todo mundo está falando que o SBT fez a reportagem porque estava com problema no banco.
Mas que bolinha?
A bolinha que caiu na cabeça do Serra.
Caiu alguma coisa na cabeça dele? [risos] Caiu alguma coisa na cabeça dele?
Na campanha.
Ah, não foi hoje?
Não.
Ah, eu não sei desse negócio de bolinha, não. Isso aí, olha, eu não vejo TV. Televisão, para mim, é trabalho. Só vejo filme. Agora que você ligou para mim eu estava vendo a Fontana di Trevi. Você já viu esse filme, "A Fonte dos Desejos" (de Jean Negulesco)? Eu estava vendo agora.
E essa informação de que o empresário Eike Batista quer comprar o SBT?
No duro?
É.
Ah, me arranja!
Arranja para mim que eu te dou uma comissão.
O senhor venderia?
Se ele me pagar bem, por que não? Quem é? "Elque"?
Eike, um dos homens mais ricos do Brasil.
Ele é americano? Eike?
Brasileiro.
Não, não conheço. Mas, se ele pagar os R$ 2,5 bilhões que estou devendo, vendo, é claro que vendo. Não precisa nem pagar para mim, paga para o Fundo Garantidor de Crédito. Eu não posso vender nada sem passar pelo Fundo Garantidor de Crédito.
O senhor está bem? Triste? Chateado?
Eu estou sempre bem. Você já me viu mal?
O senhor ficou surpreso com tudo o que aconteceu?
Não posso falar.
Mas o senhor coloca o seu nome e a sua história como garantia de tudo...
É claro. A holding [do grupo Silvio Santos] só recebeu R$ 2,5 bilhões porque eu dei todos os meus bens em garantia. [A operação se realizou] Como se fosse num banco particular. Mas com banco particular seria mais difícil porque os bancos particulares não querem concorrência [do banco PanAmericano].
O Bradesco não emprestaria para o seu banco, né?
É claro [que não]! Acha que o Bradesco... eu não digo o Bradesco. Mas um banco particular não vai querer me emprestar R$ 2,5 bilhões por dez anos. Vai? Até vou tentar conseguir, quem sabe?
E o ex-superintendente do PanAmericano, Rafael Palladino?
Palladino? Que Palladino? Nunca fui ao banco. Nem sei onde é o prédio. Quando tenho dinheiro, abro uma empresa no Brasil. Aplico no mercado brasileiro. Mas não sou obrigado a ficar sabendo onde é a empresa. Eu tinha uma fazenda que era a segunda maior do Brasil, a Tamakavi, e nunca fui lá. Nem vi no mapa.
A única coisa com que me preocupo é com a televisão. Eu sou investidor. Se [o negócio] der certo, deu. Se não der certo, não deu. A TV é o meu negócio. Mesmo que não desse certo, é o meu hobby.
Agora, os outros são negócios. Eu não sou obrigado a entender de perfumaria, de banco. Eu não! Isso aí eu boto dinheiro, pago bem os profissionais e eles têm que me dar resultados. E, às vezes, falham. Desta vez, falhou.
E a auditoria não pegou...
Mas quem é que arranja a auditoria? Não é o próprio executivo do banco? Que culpa tenho eu? Você vai publicar isso na Folha? A Folha fez uma matéria muito boa hoje. Ninguém sabia o que era Fundo Garantidor de Crédito. Pensavam que era um órgão do governo. Aquilo ali é praticamente uma companhia de seguros. Nem jornalista sabia. Aquilo ali realmente é para poder emprestar dinheiro, garantir o que você tem no banco. Se você tem até R$ 60 mil, garante.
Não é dinheiro público...
Mas claro que não é. O dinheiro é particular. É uma empresa sem fins lucrativos.
E com o Henrique Meirelles, o senhor tem falado muito?
Nem conheço. Não sei quem é. Olha, capricha, bota uma foto minha bem bonita no jornal


Texto de Camila Proença
Postado por Flávia Pereira

Entrevista do jornalista Zuenir Ventura sobre Chico Mendes


Zuenir Ventura mergulha na alma de Chico Mendes, diz que pessoas exemplares melhoram o Brasil e mostra que precisamos aprender com as nossas próprias diferenças .

Em seu novo livro, CHICO MENDES: CRIME E CASTIGO (Companhia das Letras), você diz que já tinha mais de trinta anos de carreira quando chegou a Rio Branco, sem saber direito quem era aquele fascinante personagem. Em que aspectos o personagem Chico Mendes é mais fascinante para você?
O que mais me fascinou foi a revelação, foi a surpresa de descobrir um personagem tão rico e tão complexo . Na época, já tinha ouvido falar do Chico Mendes, sabia que ele era reconhecido no exterior, mas não avaliava a sua verdadeira importância. Na correria de redação, de fato, a gente não mensurava essa importância. Então fui ao Acre, para fazer a série de reportagens, sem muita informação sobre o Chico. Ele foi um herói pós-moderno, um cosmopolita, um homem que vivia com um pé no mato e outro em Nova York. Suas idéias permanecem vivas até hoje e se desdobram. Isso é muito raro. E eu voltei ao Acre 15 anos depois do assassinato, para rever o estado e analisar os fios da história. Na realidade, só depois que o Chico morreu, aos 44 anos, foi que o Brasil descobriu que havia perdido algo que tanto custa a produzir: um verdadeiro líder.
Acima de tudo, o que torna alguém um verdadeiro líder?
Ninguém nunca tinha me perguntado isso. Vou refletir depois... Bem, mas eu acho que o verdadeiro líder é alguém que tem um carisma, que tem um magnetismo, que tem uma energia...
Que tem uma força?
Sim, o líder tem uma força, ele tem um conjunto de características que mobiliza as pessoas. Mas não basta que um líder tenha força, não basta que ele tenha energia, não basta que ele tenha magnetismo. Um verdadeiro líder tem que ter idéias, tem que ter convicções, ele tem que ter uma causa, um pensamento, uma bandeira para acenar aos seus liderados. É claro que liderança não é sinônimo de virtude. Há líderes do bem e líderes do mal. Nem precisamos citar os maus líderes da História, que cometeram tantas atrocidades. Quero falar evidentemente sobre o líder que encarna virtudes, que encarna a preocupação com o outro, a vontade de melhorar a sua comunidade, o seu país, o mundo, a vontade de melhorar a si mesmo, a vontade de melhorar as pessoas. Além de tudo isso, o verdadeiro líder tem que ter um desejo de multiplicar os seus conhecimentos, as suas idéias, os seus ideais. Só que, no livro, tomei muito cuidado de não endeusar o Chico Mendes.
Essa é uma das grandes qualidades do seu livro tão primoroso. Em nenhum momento você mitificou o Chico, apesar de toda a sua admiração por ele. Em vez disso, você mergulhou na alma, no lado mais humano do ambientalista, do líder sindical, do personagem. Você mostra, por exemplo, o lado machista do Chico Mendes no casamento...
Exatamente. Quando soube vagamente que ele tinha tido uma mulher, um caso, uma relação meio obscura na vida dele, logo comecei a fuçar isso. E algumas pessoas me criticaram, me disseram que eu ia acabar denegrindo a imagem do Chico. E eu reagia dizendo: “Não quero denegrir a imagem do Chico. Só quero descobrir o seu lado mais humano, com todas as suas fragilidades, com todos os seus desejos, com todas as suas vulnerabilidades.” Mas é claro que, se botarmos na balança, vamos ver que todas as suas qualidades superam de longe os seus defeitos. E acho que mostrar os defeitos de um personagem valoriza as suas próprias qualidades.
A morte do Chico Mendes foi uma das mais anunciadas de toda a História mundial. Ele avisou a muitas pessoas que estava sendo ameaçado de morte, que ia ser assassinado, mas ninguém lhe deu ouvidos. O que mais impressiona você nessa questão?
Não conheci o Chico pessoalmente. Mas sei que ele gostava muito de escrever. Chico foi analfabeto até os 20 anos de idade. E depois que aprendeu ele não parou mais de escrever, principalmente cartas. Na época não tinha esse negócio de e-mail. Imagina o Chico hoje podendo mandar e-mails para o mundo todo? Mas a realidade é que uma ameaça de morte é uma das coisas mais perversas que existem. Se alguém diz que está sendo ameaçado de morte, geralmente não é levado muito a sério, geralmente é visto como paranóico. Muita gente achava que aquilo era uma paranóia do Chico. E o Chico escreveu para o governador, para o presidente da república, para a polícia federal, para muita gente. O Chico acertou o mês em que ia morrer, em dezembro. E talvez uma das coisas que mais me impressionem nisso tudo é o seguinte: se o Chico tinha tanta certeza de que ia morrer, por que ele não deixava o Acre?
Você já disse que, se o Chico acenasse para qualquer país, seria bem recebido na mesma hora...
Sim, ele poderia ir para outro país, poderia ir para São Paulo, poderia ir para o Rio, poderia sair do Acre, se quisesse. Mas foi o que ele disse a uma amiga: “Se eu for embora, vou só adiar a minha morte.” Na realidade, ele não saiu do Acre porque a militância era a sua própria vida. Acho que ele não conseguiria viver exilado, longe dos seringueiros, longe da floresta, longe da sua terra. Mas o Chico, que tinha tanta capacidade de profetizar certos fatos, errou ao dizer que a sua morte seria em vão. Ainda existe uma discussão sobre o que seria hoje da Amazônia, se o Chico tivesse escapado da tocaia, sobre o que seria do Chico, se ele estivesse vivo. Essa discussão não tem resposta. Mas a causa dele avançou muito. O país evoluiu muito, a partir das idéias do Chico Mendes.
No livro, você relata como o jagunço Darci Alves Pereira assassinou Chico Mendes com uma espingarda de cano longo: “Acostumado a caçar, principalmente onça, ele confessaria depois que atirou como quem atira numa caça, porque não dá tempo de mirar. Será que, na pressa de caçar, as pessoas geralmente têm olhado pouco para as outras, têm olhado pouco para o mundo, têm olhado pouco para elas mesmas?
É uma bela observação... Não tinha pensado nessa metáfora. Vivemos num mundo onde parece que não existe passado, onde parece que não existe futuro. É como se só houvesse presente, é como se só o presente interessasse. E esse presente é todo descartável. Em geral, as pessoas não jogam fora só produtos, mas também idéias, sentimentos, possibilidades, tudo o que você imaginar. Numa grande cidade como o Rio de Janeiro, por exemplo, o pobre ganha invisibilidade. Passamos por ele e fazemos questão de não vê-lo, de não mirá-lo. Porque a visão é desagradável, a visão nos incomoda. E aí passamos a mirar as pessoas...
De onde será que vem a nossa falta de tempo para mirar?
Sabe, o verbo mirar tem uma conotação interessante. O chá do Santo Daime produz em quem o toma o que eles chamam de miração. E a miração está muito ligada ao olhar, à imaginação, a uma visão fantástica das coisas. Eu acho que essa falta de tempo para mirar é uma conseqüência da sociedade do eu. Hoje em dia, cada vez mais, tudo é virtual. Vivemos realmente numa sociedade egocêntrica.
Você desce de elevador e fica torcendo para não entrar ninguém, para não ter que puxar conversa?
É, é isso mesmo, as pessoas mal se olham no mesmo condomínio, no mesmo corredor. Praticamente não existe mais relação entre vizinhos.
No livro CIDADE PARTIDA, você fala sobre a importância que as pessoas nas favelas ainda dão aos seus vizinhos.
Exatamente. Na favela existe um sentido de vizinhança e de solidariedade que nós perdemos aqui. As pessoas se ajudam o tempo todo. A moça que já tinha cinco pessoas morando num barraco mínimo abriga cinco da casa vizinha que desabou num temporal. E a gente aqui morre de medo de ser testemunha de algum acidente, para não se aborrecer, para não se chatear. De fato, precisamos mirar mais para os outros, não só por interesse. Afinal, na sociedade atual, as pessoas geralmente só miram para quem interessa a elas de alguma forma.
A mirada precisa de gratuidade?
Sim, precisamos mirar também pelo prazer do encontro, pela troca de afetos, pelo prazer da convivência, pela possibilidade de aprender com as próprias diferenças.
Pensamento seu: “A experiência profissional e existencial que resultou nesta série de reportagens me ensinou muito do Brasil, do Acre e de como, até já velho, a gente aprende no jornalismo (...). Não existe repórter pronto. Ele é um processo, uma construção, uma obra imperfeita, inacabada.” Repórter que se acha pronto, na realidade, está acabado?
Ele está acabado, mesmo que tenha 22 anos. O jornalismo é uma profissão que nos desperta muita soberba, porque temos o poder de ser mediadores entre os fatos, os leitores, os ouvintes, os telespectadores. Cansei de quebrar a cara por não acreditar no acaso. O imprevisto, a surpresa e o acaso são fundamentais no jornalismo. Hoje eu acredito mais no acaso do que na intencionalidade. É claro que o acaso não dispensa a técnica, a ética, a inspiração...
Um bom jornalista também precisa saber o que fazer com o acaso?
Exatamente, você precisa saber o que fazer com o acaso. O jornalista tem que ficar muito atento, tem que renovar os olhos...
Ele precisa renovar a mirada?
Temos que renovar a mirada sempre. Senão você não enxerga as mudanças. Quando converso com estudantes e jovens jornalistas e me pedem um conselho, digo que não dou, porque quem dá conselho é velho. Mas digo para eles prestarem atenção ao verdadeiro sentido da palavra humildade. Essa palavra se tornou pejorativa.
Humildade, em geral, virou sinônimo de submissão, de cabeça baixa, de olho no chão?
Essa conotação ainda existe muito. Mas humildade, acima de tudo, é estar aberto para aprender com quem quer que seja, é reconhecer que não sabe, é entrar em campo respeitando todo mundo...
Jornalista não pode entrar em campo de salto alto?
Exatamente. Está aí o exemplo dos jovens da seleção brasileira que entraram de salto alto e perderam a vaga para as Olimpíadas.
O jornalista Fernando Calazans, do jornal O Globo, critica os jovens jogadores de futebol que dizem que não precisam provar mais nada a ninguém. Ser bem-sucedido num jogo, num campeonato, numa matéria, numa entrevista, não significa que você será bem-sucedido sempre, certo?
Claro, claro. A experiência não é tudo. O talento é muito importante. Mas é aquela história, o novo nasce do velho. Só que nem todo mundo entende isso.
Nas redações isso ainda acontece muito, você concorda?
Concordo. Acho que se eu tivesse ficado trabalhando em redação, sem ter escrito os meus livros, sem ter me tornado colunista, provavelmente chegaria um momento em que as pessoas se perguntariam: “O que a gente faz com o Zuenir?”
Com a série O Acre de Chico Mendes, você conquistou os prêmios Esso de Jornalismo e Vladimir Herzog de Reportagem. Além dessas conquistas, você diz que o maior de todos os prêmios foi “conhecer a riqueza de uma terra e o caráter de uma brava gente que Chico Mendes chamava de Povos da Floresta, que ele defendeu até a morte.” O que mais puxava o Chico para defender esses povos da floresta?
Ao contrário do que muita gente pensava, o Chico não queria transformar a floresta num santuário. Ele sabia que o seringueiro usa a floresta, que o índio usa a floresta, que o caboclo das matas usa a floresta... O Chico era contra a devastação. Ele queria transformar a floresta em algo sustentável, que fosse rentável e que fosse conservada ao mesmo tempo, que fosse explorada racionalmente. A relação do Chico com a floresta era uma relação de amor. E intuiu, como ninguém, o quanto de riqueza a floresta poderia dar de sustento a todo mundo e o quanto isso poderia despertar o interesse de outros países. Hoje se fala muito em biodiversidade, que são as possibilidades medicinais de cada árvore, de cada erva, de cada planta, de cada organismo da floresta que atuam na cura e na prevenção de tantas doenças. Mas o Chico já falava de tudo isso há muito tempo. O Chico Mendes escreveu a questão ambiental na agenda do mundo.

Você se envolveu tanto na série de reportagens que chegou a abrigar na sua casa, no Rio, o menino Genésio, principal testemunha do caso Chico Mendes. Esse menino, que na época tinha 13 ou 14 anos, achava que poderia se disfarçar dos criminosos simplesmente oxigenando o cabelo. Ele tinha sido criado na fazenda dos assassinos. Toda vez que voltava a Xapuri, você ficava comovido quando entrevistava o Genésio. Um dia, quando perguntou qual era o sonho desse garoto, ele lhe disse que era sair de lá. Ele queria ir embora de Xapuri, queria ir estudar em Rio Branco. Mas você acabou conseguindo levá-lo para o Rio. Nesse tipo de situação limite, o que mais impulsiona você a tomar uma atitude?
Esse garoto foi o meu primeiro entrevistado na série de reportagens. Quando o conheci, ele mal me respondia, era monossilábico. E acabei descobrindo que ele realmente era uma testemunha fundamental do assassinato. Então, também fui observando que ele não teria segurança nenhuma vivendo em Xapuri. Foi quando o Genésio me disse que o seu sonho era estudar em Rio Branco. Consegui levá-lo para lá, com autorização e tudo mais. Mas no quartel de Rio Branco, o coronel Roberto (uma figura maravilhosa) me disse depois que até mesmo lá dentro o menino não estaria em segurança. Dessa forma, eu o trouxe para minha casa, aqui no Rio. Ele veio sob a minha tutela, com toda a documentação.

Você não teve medo do que poderia acontecer mesmo no Rio?
Não, olha que coisa, nem pensei nisso. É que na época o crime organizado não tinha tantos tentáculos no Brasil. Na época, se alguém mandasse um jagunço do Acre para o Rio, no meio da cidade, ele morreria no trânsito. Esses tentáculos do crime começaram a aparecer depois que o tráfico de drogas ganhou força.
Aliás, você já disse que entre conseguir um furo jornalístico e salvar uma vida, prefere salvar uma vida, mas que também não despreza nem julga, por exemplo, a atitude de um fotógrafo que registra a morte, em vez de tentar evitá-la. Como você mesmo ressalta, são situações limites que exigem decisões muito pessoais. Você já se surpreendeu com as suas próprias decisões pessoais diante de situações extremas?
Vou dar um exemplo: em nenhum momento eu usei o Genésio. Não fiz nenhuma entrevista exclusiva com o menino enquanto ele estava sob a minha tutela. A imprensa toda do Brasil queria entrevistá-lo. Mas o juiz Adair Longuini me pediu que ele não desse entrevistas naquele momento. Afinal, o Genésio era testemunha de um assassinato. E eu também achava que o Longuini estava completamente certo. Gosto de conseguir um furo jornalistico. Sou condicionado por isso. Só que nada vale nem de longe o risco de perder uma vida.
Numa entrevista ao canal Globonews, você disse que há três personagens que lhe impressionam até hoje: o menino Genésio, o Chico Mendes, logicamente, e o juiz Adair Longuini, que comandou o julgamento e a condenação dos assassinos. O que esses personagens têm em comum?
Eles têm em comum o desprendimento. Os três tiveram uma coragem cívica e física. A história do Acre é muito bonita, é uma história de coragem, de independência, de autonomia, de bravura, de enfrentamento. Mas tudo isso só existe graças às pessoas, graças a quem dá beleza ao estado. O Jorge Viana, atual governador do Acre, é uma pessoa fantástica, um jovem tão legal, tão sério, tão cheio de disposição para fazer o seu estado melhorar. E ele era um menino quando eu estive lá pela primeira vez.
A condenação dos assassinos de Chico Mendes, segundo você, foi uma apoteose cívica. De que forma, acima de tudo, uma apoteose cívica contribui para melhorar um país? Será que um país só melhora realmente dessa forma, com apoteoses cívicas?
Não, um país não melhora só com apoteoses. O que melhora um país, acima de tudo, são as pessoas exemplares. Conheci dois meninos, dois estudantes de Direito, que na época foram assistir ao julgamento dos assassinos do Chico Mendes. Pedro Francisco da Silva e Jair Fernandes foram assistir ao juiz Adair, porque eles queriam seguir os seus passos. Pois bem, esses dois rapazes, anos depois, tiveram um papel fundamental no desmonte do crime organizado no Acre. Eles assumiram a Justiça Federal do Acre. Eles foram fundamentais na condenação à cadeia do então deputado Hildebrando Pascoal, que ficou famoso no estado na década de 90 pelo poder que detinha e pela crueldade: cortava as suas vítimas ainda vivas com uma motosserra. Pois bem, esses dois rapazes advogados são exemplares. São pessoas assim que mudam um país. O Adair foi um exemplo para eles, foi um exemplo para o Brasil. E certamente eles vão ser exemplos para outros jovens, que também seguirão os seus passos.
No livro, você escreve: “Um dos grandes mistérios dessa história (e essa é uma impressão preconceituosa) é imaginar como no meio da floresta (onde só nasce mato e bicho) pode existir um sujeito tão extraordinário.” Quando escreveu CIDADE PARTIDA, você contou, numa entrevista ao jornalista Julio Gama, que ficou supreendido quando encontrou um sociólogo super inteligente e uma menina muito linda, ambos morando na Favela de Vigário Geral, onde em geral, segundo você, as pessoas esperam encontrar o feio e o burro. Nessa mesma entrevista, publicada no extinto jornal Lector, você também conta que logo depois ficou ainda mais surpreendido com esse estereótipo que havia dentro do seu próprio pensamento, dentro da sua própria visão. Afinal, beleza e sabedoria não tem geografia?
Exatamente. Você observou bem esse paralelo entre os meus dois livros. Sabe, um amigo me disse que eu me expus muito assumindo os meus próprios preconceitos...
Mas nem todo preconceito é sinônimo de perversidade?
Pois é, eu concordo. Mas a realidade é que esses preconceitos passam mesmo pela nossa cabeça. Não é um preconceito só meu, é um preconceito de classe. Não conseguimos imaginar que no meio do mato, no meio da floresta, possa existir um homem extraordinário. Não conseguimos imaginar que uma menina bonita possa existir na favela. É como diz o Caetano, numa música: “Narciso acha feio o que não é espelho.” Aceitar a diferença é uma questão cada vez mais fundamental no mundo. É uma questão de olhar, é uma questão de mirar.
É uma questão de mirar e se aproximar?
Sim, mirar aproxima a gente dos outros.
Texto de: Camila Proença
Postado por Flávia Pereira