domingo, 17 de abril de 2011

Freud: "O valor da vida"

Trouxemos hoje uma das grandes e raras entrevistas dada pelo psicanalista Sigmund Freud, ao jornalista americano George Sylvester Viereck, em 1926. Nesta entrevista, que foi publicada integralmente no "Journal of Psycology", de Nova York, em 1957, o "Pai" da psicanálise fala de sua carreira, de suas opiniões e formas de ver a vida.







     "Setenta anos ensinaram-me a aceitar a vida com serena humildade."
     Quem fala é o professor Sigmund Freud, o grande explorador da alma. O cenário da nossa conversa foi uma casa de verão no Semmering, uma montanha nos Alpes austríacos.

     Eu havia visto o pai da psicanálise pela última vez em sua casa modesta na capital austríaca. Os poucos anos entre minha última visita e a atual multiplicaram as rugas na sua fronte. Intensificaram a sua palidez de sábio. Sua face estava tensa, como se sentisse dor. Sua mente estava alerta, seu espírito firme, sua cortesia impecável como sempre, mas um ligeiro impedimento da fala me perturbou.

     Parece que um tumor maligno no maxilar superior necessitou ser operado. Desde então Freud usa uma prótese, para ele uma causa de constante irritação.     - Detesto o meu maxilar mecânico, porque a luta com o aparelho me consome tanta energia preciosa. Mas prefiro ele a maxilar nenhum. Ainda prefiro a existência à extinção. Talvez os deuses sejam gentis conosco, tornando a vida mais desagradável à medida que envelhecemos. Por fim, a morte nos parece menos intolerável do que os fardos que carregamos.     Freud se recusa a admitir que o destino lhe reserva algo especial.     - Por quê - disse calmamente- deveria eu esperar um tratamento especial? A velhice, com suas agruras, chega para todos. Eu não me rebelo contra a ordem universal. Afinal, mais de setenta anos. Tive o bastante para comer. Apreciei muitas coisas - a companhia de minha mulher, meus filhos, o pôr-do-sol. Observei as plantas crescerem na primavera. De vez em quando tive uma mão amiga para apertar. Vez ou outra encontrei um ser humano que quase me compreendeu. Que mais posso querer?
     -  O senhor teve a fama. Sua obra influi na literatura de cada país. O homem olha a vida e a si mesmo com outros olhos, por causa do senhor. E recentemente, no seu septuagésimo aniversário, o mundo se uniu para homenageá-lo - com exceção da sua própria Universidade.     - Se a Universidade de Viena me demonstrasse reconhecimento, eu ficaria embaraçado. Não há razão em aceitar a mim e a minha obra porque tenho setenta anos. Eu não atribuo importância insensata aos decimais.
     A fama chega apenas quando morremos e, francamente, o que vem depois não me interessa. Não aspiro à glória póstuma. Minha modéstia não é virtude.
     -  Não significa nada o fato de que o seu nome vai viver?     - Absolutamente nada, mesmo que ele viva, o que não é certo. Estou bem mais preocupado com o destino de meus filhos. Espero que suas vidas não venham a ser difíceis. Não posso ajudá-los muito. A guerra praticamente liqüidou com minhas posses, o que havia poupado durante a vida. Mas posso me dar por satisfeito. O trabalho é minha fortuna.
(...)
     - Bernard Shaw sustenta que vivemos muito pouco, disse eu. Ele acha que o homem pode prolongar a vida se assim desejar, levando sua vontade a atuar sobre as forças da evolução. Ele crê que a humanidade pode reaver a longevidade dos patriarcas.     - É possível, respondeu Freud,  que a morte em si não seja uma necessidade biológica. Talvez morramos porque desejamos morrer.
(...)
     - O senhor já analisou a si mesmo?
     - Certamente. O psicanalista deve constantemente analisar a si mesmo. Analisando a nós mesmos, ficamos mais capacitados a analisar os outros.
     O psicanalista é como o bode expiatório dos hebreus. Os outros descarregam seus pecados sobre ele. Ele deve praticar sua arte à perfeição para desvencilhar-se do fardo jogado sobre ele.      - Minha impressão é de que a psicanálise desperta em todos que a praticam o espírito da caridade cristã. Nada existe na vida humana que a psicanálise não possa nos fazer compreender. "Tout comprec'est tout pardonner".     - Pelo contrário! - bravejou Freud,  suas feições assumindo a severidade de um profeta hebreu. Compreender tudo não é perdoar tudo. A análise nos ensina não apenas o que podemos suportar, mas também o que podemos evitar. Ela nos diz o que deve ser eliminado. A tolerância para com o mal não é de maneira alguma um corolário do conhecimento.
     Compreendi subitamente porque Freud havia litigado com os seguidores que o haviam abandonado, porque ele não perdoa a sua dissensão do caminho reto da ortodoxia psicanalítica. Seu senso do que é direito é herança dos seus ancestrais. Uma herança de que ele se orgulha como se orgulha de sua raça.     - Minha língua é o alemão. Minha cultura, minha realização é alemã. Eu me considero um intelectual alemão, até perceber o crescimento do preconceito anti-semita na Alemanha e na Áustria. Desde então prefiro me considerar judeu.

Se você quiser ler a entrevista completa clique aqui.


Texto de Camilla Alves.
Postado por Flávia Pereira.

Fonte: SBPSP

Um comentário: