sexta-feira, 29 de abril de 2011

Lobão: "Não peguei aids por sorte"

Em entrevista para a ISTO É Gente, Lobão fala da sua declarada oposição às gravadoras, o modo como elas “mandam” nos recém-lançados artistas e sobre os elevados preços que elas cobram para a venda de um cd, fato que explica o porquê de não aderir à Campanha Contra Pirataria.
“Não peguei aids por sorte” é uma das revelações sobre sua vida pessoal. Ele também fala da sua prisão em 1987 por porte de drogas, sobre o preconceito que ainda enfrenta devido ao fato e sobre as amizades que fez durante o período de carceragem.
Ainda nesta entrevista você vai saber mais sobre sua saída da Blitz, banda que criou com Evandro Mesquita e Fernanda Abreu.

O cantor lança disco, critica Lulu Santos e Gilberto Gil, narra sua viagem ao mundo das drogas e do sexo livre e conta que se tornou amigo de bandidos quando esteve preso.


Vivianne CohenIsto É Gente, 28/02/2002

Não é difícil definir João Luís Woerdenbag, o Lobão. Ele é arrogante, egocêntrico, esnobe. A melhor definição, contudo, parte do próprio. “Sou um traidor”, diz. Ex-baterista e um dos fundadores da Blitz, largou a banda no auge em 1982 para seguir carreira solo. Quatro anos mais tarde, fez do disco O Rock Errou uma crítica à sua geração, que marcou o rock nacional. Na vida familiar, saiu de casa aos 17 anos brigado com o pai – e até hoje pouco se falam – e prefere ficar perto dos sobrinhos e não da filha, Júlia, 13 anos, fruto de um relacionamento passageiro. “Só nos vemos a cada quatro anos”, diz ele, casado há 11 anos com Regina Lopes. Lobão só não trai o que pensa. Aos 44 anos, continua firme em sua propalada cruzada contra as gravadoras. Fundou sua própria gravadora, a Universo Paralelo Records, e acaba de lançar o CD Uma Odisséia no Universo Paralelo, gravado ao vivo. O disco será vendido em bancas após a bem-sucedida trajetória de A Vida É Doce (100 mil cópias), seu trabalho anterior. “Vou vender mais de 300 mil discos”, aposta.


Você sempre criticou os discos ao vivo. Por que resolveu lançar um?
Sou amplamente reconhecido pelo meu trabalho na década de 80, mas tenho que afirmar o da década de 90, porque ele foi boicotado, exilado. Então é mais do que natural fazer um disco ao vivo, que tem um apelo maior em termos de vendagem, botar a R$ 11,90 e colocar duas inéditas para tocar. Vou mandar um CD autografado para as rádios. Não posso me ouvir no rádio. Isso prova que no Brasil não há liberdade de expressão. Estou jogando xadrez com esses caras desde que foi lançado o A Vida É Doce e esse aqui é meu xeque-mate. Agora, tá todo mundo esperando que toque. A maioria dos discos é cerceada pelas gravadoras. Há artistas, principalmente os mais novos, que sofrem ingerência direta para mudar o repertório. Estou lutando contra isso, não contra o disco ao vivo. Estou numa guerra.


Por que você não aderiu à campanha das gravadoras contra a pirataria?
Tem maior pirataria do que um disco custar 20 reais sem estar numerado e o artista ganhar cinco centavos e ser expulso da gravadora se não vender o que eles querem? Roubam o público, o artista e vão para a televisão pedir cuidado com a pirataria. Sou contra a pirataria, senão não teria disco numerado. Mas as gravadoras não têm controle sobre quantos discos foram vendidos. Falar disso no Brasil é tabu. Os meus discos são numerados. Quer acabar com a pirataria? Abaixe o preço do CD porque ninguém gosta de comprar disco pirata. O cara compra porque está sem dinheiro. Mais cínico ainda é ver grandes medalhões como o Gilberto Gil fazendo essas campanhas. Em 1987, eu e o Paulinho da Viola formamos um grupo para numerar os discos. Em 1998, você vê aqueles mesmos artistas indo para o lado oposto. Mas as gravadoras não podem baixar por causa dos jabás das rádios. Um disco meu em banca custa R$ 11,90 e o da Abril, R$ 19,90. Por quê? Qual o custo maior? Claro que não vendeu bem, R$ 19 é burrice.


Como você analisa o cenário musical hoje?
Acho que estamos numa época em que se tem de provocar as pessoas. Quer moleza? Vai ouvir Lulu Santos. Eu não sou churrascaria, não sou vitrola. Sou um artista, não um entretenedor. Essa coisa de dedinho para cima, todo mundo tá feliz, essa envernização do nosso visual. Você já viu o verniz da cara do Alexandre Pires? Não mexe um músculo. Wanessa Camargo, Sandy & Júnior, Xuxa, isso tudo é a nossa perdição. E o pior é que é isso que nos representa. Tenho que ser um pária da minha sociedade, porque eu não me represento.


Você é um crítico feroz da sua geração. Acha que foi uma geração perdida?
Não. Seria se fosse citar Biquíni Cavadão, Eletrodomésticos, Metrô, essa porcalhada toda que ficou pelo tempo. Assim como na Tropicália ficaram outros tantos. A minha geração mudou o mundo. Cazuza e Renato Russo eram do quilate de um Vinícius de Moraes, um Chico Buarque. Sou o único que sobrevivi. Sou a grande vingança da minha geração mesmo sendo o maior crítico dela. A rapaziada aprontou mas mudou toda uma geração. Ou você acha que a galera que ouve música hoje vai achar a Cássia Eller menor que a Elis Regina? Não há a menor possibilidade, inclusive porque não é. A Cássia é a maior cantora do Brasil de todos os tempos. O que beira a Cássia é Alaíde Costa, Elizete Cardoso. A Elis está um pouco atrás. Sempre falei que a Cássia é uma feliz mistura de Clementina de Jesus com Janis Joplin. Sempre disse isso desde que a vi cantando blues. Na hora, falei para minha mulher: “Essa é a maior cantora que já vi na minha vida”.


Como avalia a repercussão da morte da Cássia?
Os ânimos talvez estejam quentes em relação à morte da Cássia porque os preconceitos estão muito acirrados. Se a Cássia ganhasse o Grammy em vez de morrer, iam dizer: “A cantora brasileira que nos dá muito orgulho”. Agora que morreu com suspeita de drogas, virou “a roqueira Cássia Eller”. Dizem que ela estava num espírito de autodestruição. Não é isso. Temos uma máquina assassina produzindo assassinatos. O Tim Maia morreu de desgosto. Se abrissem a barriga dele, tinha um câncer chamado Som Livre. Como deixaram essa menina infeliz desse jeito?


Acha que ela não soube lidar de forma positiva com o sucesso?
Queriam colocar a Cássia de diva, reduzi-la a uma reles Marisa Monte. Botavam ela comportadinha e ela chegava e tocava Nirvana, era a maneira de ela reagir a isso. Na verdade, ela tinha pouca capacidade de verbalização. Sempre foi uma menina tímida que só queria cantar. Tem maior porre do que ter que cantar o resto da vida: “Quem sabe eu ainda sou uma garotinha...”? Aí ela não segurou. A única pessoa que eu gostaria que cantasse as minhas músicas se foi. As pessoas cultuam Gal Costa, Maria Bethânia, mas a Cássia é mil vezes melhor e mais poderosa. Ela sim era a nossa Billie Holiday.


Como vê a volta de grupos como Capital Inicial e RPM?
Sou contra. Se o Capital Inicial tivesse assunto, já teria feito um segundo disco. Daquele mato não sai cachorro. O RPM é ridículo, é para vender como está vendendo o Roberto Carlos. A Cássia dizia: “Estava acostumada a tocar para 40 pessoas e agora tem 40 mil e é tão fácil fazer sucesso no Brasil”. Hoje em dia, o artista está no seguinte patamar: ou tem uma fila para entrar na Casa dos Artistas ou tem uma fila para gravar um acústico da MTV. Isso não pode acontecer. Nunca vi alguém se dar bem depois de gravar um acústico. Deveria acontecer aqui o que ocorre nos Estados Unidos. A Alanis Morissette está no auge do sucesso e faz um acústico. Não é fazer porque está escondido.


Quem apresentou algo novo na década de 90?
A década de 90 tem coisas ótimas como Otto, Charlie Brown Junior, O Rappa. São muito mais interessantes do que a geração dos anos 80. Não havia uma banda como o Charlie Brown, eles tocam pra c., o cantor tem um puta carisma. Quando o Júlio Barroso (da Gang 90 & As Absurdettes) morreu, eu e o Cazuza ficamos órfãos, morreu a minha geração. Ela se aglomerou em grupos muito distantes, um de Brasília, outro do Sul, e que nunca saíram dos guetos. Com exceção do Renato Russo e do Cazuza, muitos começaram a fazer aquela coisinha para dançar (faz cara de deboche) e a coisa ficou velha antes do tempo. Vejo vários cadáveres e defuntos fazendo discos dos anos 80. Se não tem o que dizer, pára.


Por que somente você tem esse discurso?
Só tenho essa força de falar porque sou arrogante. Os outros estão submissos. Eu poderia estar capitalizando meus sucessos dentro de uma gravadora, batendo ponto e com cara de babaca. Será que o Lulu está feliz com o trabalho dele, acha que todo mundo quer cantar “nada do que foi será...”? Ele só fez isso. O Kid Abelha também faz as mesmas coisas. Agora não há mais saída porque o público se acostumou com eles repetindo e quando eles fazem coisa nova, o público não quer. O Gabriel, o Pensador há um tempo atrás era legal. É um cara que sabe escrever. Agora, quer falar bem de todo mundo. Faz aquela cara de bobo. Nunca vi um rapper ser bom moço.


Você se acha um sobrevivente da geração rock’n’roll?
Corri todos os riscos. Fazia muita sacanagem e não me dava conta da aids. Eu me lembro de uma situação em que estava me drogando muito com um amigo em Los Angeles, em 1989, e transando com várias prostitutas. No dia seguinte, completamente bêbado, achei que estava com aids porque comecei a me coçar. Já fiz vários testes. Não usava camisinha. Com certeza, fiz muito mais sacanagem que o Cazuza. Ele tinha um namorado e eu tinha várias. Não peguei a doença por sorte. Também poderia ter me contaminado através da cocaína.


Como é sua relação com as drogas hoje?
Muito cordiais (risos). A droga é uma paranóia da sociedade. Maconheiro agora é um cara possuído pelo demônio. Eu fumo maconha. Tenho 44 anos e leio proficuamente. Vão dizer que tenho menos neurônio do que alguém? Quero ver. A doença não é a droga, é o vício. Não sou acometido pela doença, talvez por ser nômade. Às vezes enjôo, não me detenho em nada. Já tomei muita heroína, passei um ano tomando direto. Passava os dias no quarto me drogando. Até que peguei a heroína que tinha comprado para mais de um mês e joguei fora na privada. Nunca mais tomei. Não cheiro cocaína há mais de dez anos.
 

 Por: Hosana Daher








“Eu fumo maconha. Tenho 44 anos e leio proficuamente. Vão dizer que tenho menos neurônio do que alguém? Quero ver”, provoca Lobão, que há dez anos deixou a cocaína








Acha que ficou estigmatizado como drogado por causa de sua prisão em 1987?
Sofro um preconceito muito grande, passei por cento e não sei quantos processos, virei um preso político e fui perseguido. Mas me orgulho muito disso, é uma coisa que só fez crescer a minha história. Qual o cara da minha idade, de classe média, que passou três meses na prisão e se tornou o xerife da carceragem e mascote do Comando Vermelho? Os presos me adoravam, eu distribuía remédios para eles dormirem.


Manteve contato com eles depois que saiu da prisão?
Virei amigo da rapaziada, ia para tudo quanto é boca de fumo, só vivia com eles. Fui treinado para manusear todos os tipos de armas. Ficava meio grilado, mas gostava. Comprei um monte de corrente de ouro e uma Mercedes bem velha. Virei bandido, sabia de tudo. Já pensei em fazer uma guerra armada. Queria tomar o Palácio das Laranjeiras (sede do governo do Rio) porque odiava o (ex-governador) Moreira Franco. Queria matar o Moreira. Eu falava: “Pô rapaziada, ficar arranjando moto ou roupa camuflada para ganhar uma mina da favela é coisa de playboy”. Eu estava pronto, fiz todo o plano, mas eles amarelaram.


Você é um cara bem-humorado até para falar de seus fracassos...
Tem gente que acha que eu canto muito mal e eu também acho. A minha voz é meio repulsiva, eu nunca gostei de ouvir minha voz. A não ser nesse disco. Nunca gostei de cantar nem de tocar guitarra durante toda a minha carreira porque eu era baterista vidrado. Fui expelido da Blitz e tive de me virar para fazer um disco. Não queria ser cantor, então até 1995 vivi na maior crise, falava que ia largar tudo. De repente, comecei a estudar canto. Hoje a minha carreira começa de uma maneira completamente diferente, com prazer. Antes eu era um baterista que compunha alguma coisa ou outra. Não tô denegrindo o meu trabalho não, ele é bom. Mas era caótico, não era sistemático. Agora eu tenho condições de fazer todo o repertório, mixar, tudo. Hoje, só preciso sentar e compor. Nunca foi assim, eu sempre tinha que tomar um porre, ir a vários lugares na mesma noite.


Você está casado há 11 anos com a empresária Regina Lopes. Não quiseram ter filhos?
Tenho uma filha de outro relacionamento, a Júlia. Não tenho tempo para filho, quase não nos vemos. Não vou botar outra criança no mundo para viver uma história que é minha. Adoro criança, tenho sobrinhos e três enteados. Vejo muito os meus sobrinhos. Mas filho não é nada que eu almeje. Tive uma, gostei de ter, mas não tenho teto e não tenho casa própria. Não sou burguês.



Por: Hosana Daher

5 comentários:

  1. Esse lobão deva ter consumido MACONHA ESTRAGADA e CONGELADA em fundo de bote e não sabe de quem comprou... Só louco seria capaz de dizer uma besteira dessa de que CASSIA ELLER canta mais do que ELIS REGINA. Nunca!!! Nunca!!! E nunca!!!
    ELIS REGINA É A MAIOR CANTORA BRASILEIRA DE TODOS OS TEMPOS!!! Em termos vocais e de inteligência musical, NADA SE COMPARA A ELIS REGINA. Elis, para chegar aonde chegou, participou de vários concursos musicais, desde dos seus 11 anos, e em todos eles ela foi 1º lugar... Sem se falar nos concursos vencidos em sua cidade Porto Alegre, ELIS venceu o 1º Festival da Música Popular Brasileira (com ARRASTÃO - 1965), venceu a 1ª Bienal do Samba (com LAPINHA - 1969), e nos Festival de Jazz de Montreux na Suíça (1979) teve que voltar ao palco 08 vezes em 08 bises... Elis, fora os seus atributos vocais raros, revolucionou a Música Brasileira de forma nunca, jamais, porém vista. A sua importância plena a faz ser imortal após seus 30 anos de morta. E Cássia Eller quase ninguém ouve falar mais nela. Ainda posso informar aos leigos que ELIS, através de sua POTENTE AFINADÍSSIMA VOZ, lançou os maiores nomes da composição de sua geração e que hoje estão eternizados em suas insuperáveis e antológicas interpretações. ELIS ERA ELIS !!! NUNCA MAIS HAVERÁ UMA OUTRA IGUAL. NEM EM SONHOS! - Alaíde Costa foi quem afirmou isso. Elizeth Cardoso, considerada a divina, disse que ELIS REGINA é quem era a DIVINA. Nota: Cássia Eller disse que toda a sua sedimentada base musical vinha da ELIS REGINA e que ela classificava como seu ídolo. Esta afirmativa está no livro biográfico de Cássia Eller. Inclusive é dito, no livro, que no dia 19 de janeiro de 1982, a Cássia Eller estreiava em Brasília, como cantora profissional, em uma pequena apresentação que coincidentemente foi o dia em que ELIS REGINA morreu (era uma terça-feira), e Cássia Eller foi aos prantos fazer o seu show. Nessa comparação direta, ELIS É A CRIADORA e CÁSSIA ELLER A CRIATURA. Gosto da Cássia Eller e tenho todos os seus discos, mas querer compará-la a ELIS REGINA é querer se descredibilizar como crítico musical. É como querer comparar, hoje, NEYMAR a MESSI. MESSI é 100% superior, e ELIS é 1.000%. Assinado: Tadeu Moreira, um estudiodo da MPB há exatos 45 anos de pesquisa e estudo profundo e detalhado.

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  2. Alienação é a pior droga do Brasil. Querem apagar o Lobão da Música Brasileira... e se o público continuar cultuando a mídia, vão restar vestígios reais.

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