sábado, 14 de maio de 2011

Entrevista com João Pedro Stedile, coordenador do MST

A nossa grande entrevista de hoje é com o João Pedro Stedile, coordenador e um dos fundadores do MST. 
No dia 18 de abril de 2011 ele deu uma entrevista exclusiva a jornalista Eleonora de Lucena da Folha de São Paulo. Nela, ele fala sobre o novo momento do MST, sobre o massacre de Eldorado dos Carajás, sobre politica e sobre reforma agrária entre outros assuntos. 
Vale a pena conferir um trecho dessa grande entrevista!


"Há exatos 15 anos ocorria o massacre de Eldorado do Carajás. Dezenove integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) foram mortos pela polícia do Pará durante uma manifestação contra os atrasos na reforma agrária.
Nesta entrevista, João Pedro Stedile, um dos coordenadores do MST, relembra o episódio, nega enfraquecimento do grupo e ataca ruralistas e a mídia.
Para ele, a redução no número de famílias acampadas é resultado da lentidão da reforma, não do Bolsa Família. “Nossa burguesia agrária é lúmpen. Quer ganhar dinheiro sempre mamando nas tetas do Estado.”
Stedile, 57, faz um balanço do movimento, dos problemas da reforma agrária e da agricultura. Condena o uso de agrotóxicos e de sementes geneticamente modificadas — produtos presentes em alguns assentamentos. Fala sobre a disputa política dentro do governo Dilma, no Incra e no debate sobre mudanças no código florestal.

Folha – Neste momento, o MST promove uma série de manifestações e eventos para lembrar o massacre de Eldorado do Carajás, de 17 de abril de 1996. O que mudou de lá para cá no movimento, na estrutura agrária, na repressão ao movimento, na sua imagem pública?
João Pedro Stedile – Durante o governo FHC, as oligarquias se sentiram impunes e fortalecidas com a hegemonia completa das ideias neoliberais. Então, provocaram diversos massacres para impor sua visão de mundo e tentar impedir a organização dos pobres com a repressão bruta. No campo, foram Corumbiara e Carajás, além de outros na cidade.
O padrão de violência física no campo diminuiu. Não há mais tantos assassinatos, mas cresceu no ano passado. As forças policiais também estão em menor número a serviço do latifúndio, pois temos mais governos estaduais progressistas. Lamento que ainda tenhamos alguns governadores que não aprenderam que PM não é para resolver conflito social.
Temos a situação de que, infelizmente, nenhum dos culpados do Massacre de Carajás tenha sido punido. Esperamos que o STF julgue logo o recurso e coloque os comandantes do massacre na cadeia.
Lutar na semana de 17 de abril é uma necessidade para avançar a reforma agrária. É uma obrigação legal, já que, envergonhado, o presidente FHC, antes de sair, assinou um decreto definindo essa data como dia nacional de luta pela reforma agrária. Nós continuaremos fazendo nossa parte, organizando os pobres do campo para que tenham consciência de seus direitos e lutem para ter acesso a terra.

Depois de um período de grandes marchas e ocupações de terras, nos anos 1990, o MST parece viver um outro momento. O MST está decadente?
A grande imprensa e os latifundiários é que gostariam que o movimento estivesse decadente. Nos últimos dois governos FHC e Lula, mantivemos a mesma média anual de 280 ocupações por ano. O MST continua forte, sendo um dos principais movimentos sociais da América Latina, com unidade e iniciativas em diversas áreas. O que pode mudar, num e noutro Estado e região, são as formas de luta. Durante o governo Lula, fizemos duas grandes marchas a Brasília para pressionar a reforma agrária.

O Bolsa Família e a ascensão social de uma parcela da população pobre esvaziam o movimento?
Não. Existem no Brasil ao redor de 4 milhões de famílias de trabalhadores na agricultura, que são pobres e não têm terra. Nossa obrigação social é organizá-los para que lutem. Na região Nordeste, onde tem mais Bolsa Família, é onde o MST tem mais acampados. O que diminuiu o número de famílias acampadas foi a lentidão do governo em realizar a reforma agrária. Se as pessoas não veem expectativa de sair logo a terra, têm mais dificuldade de ir acampar. No entanto, continuam querendo a terra.

O sr. fez várias críticas ao governo Lula, que se classificava como de esquerda. Disse que ele pouco fez pela reforma agrária. Qual sua explicação?
O governo Lula foi um governo de composição política e de classes. Infelizmente, os setores do agronegócio tiveram muita força política no governo. Por outro lado, o Ministério do Desenvolvimento Agrário se preocupou com um milhão de famílias de camponeses com terra, que acessam ao Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar].
O governo não conseguiu fazer com que Incra se transformasse em órgão para cuidar efetivamente das demandas da reforma agrária. A política de reforma agrária ficou sendo um ação periférica dentro do governo, sem peso político.
A maior parte das 4 milhões de famílias sem terra, e os 3,8 milhões de famílias que tem menos de dez hectares não acessaram políticas públicas agrícolas que pudessem aumentar a renda e se desenvolverem durante o governo Lula.
Houve avanços com o programa “Luz para Todos” e no programa de aquisição de alimentos da Conab, além de algumas iniciativas na área da educação. Em resumo, o governo Lula não priorizou a reforma agrária.

Quais são os êxitos do movimento depois de 30 anos de existência?
Nosso maior êxito é a melhoria das condições de vida de milhões de brasileiro, que têm consciência critica sobre os problemas da nossa sociedade.
Mais: ter sobrevivido a tantos ataques e à repressão. Só por isso já somos vitoriosos. Nenhum outro movimento social havia sobrevivido no campo mais de dez anos na história do Brasil.
Nós recuperamos a dignidade dos pobres do campo. Ajudamos a se organizarem para se transformarem em cidadãos plenos. Temos militantes que entraram com a quarta série no MST e hoje estão fazendo mestrado. No plano da burguesia, eles seriam apenas mais uns boias-frias para colher cana em São Paulo.
Temos escolas de agroecologia, produzimos conhecimento, estamos organizando agroindústrias cooperativas. Estamos superando o analfabetismo em todas as áreas de assentamento.
Nos nossos assentamentos, as famílias podem ser pobres ainda. Mas todos têm casa, trabalham, estão com todos os filhos na escola e têm consciência de sua vida na sociedade.

Quais foram os erros nessa trajetória? O que o sr. teria feito diferente?
Nosso movimento é um movimento social, dinâmico, complexo e também tem suas contradições. Certamente cometemos muitos erros ao longo dessa trajetória. Mas sempre foram erros coletivos. O MST não depende de uma ou outra pessoa, ou consultor, ou ideólogo ou livro-guia. Apreendemos estudando com a experiência dos outros e com nossa prática.
Vamos procurando melhorar a prática, a partir da avaliação permanente e de forma coletiva de todas nossas atividades e ações. Muitas coisas poderiam ter sido feitas diferentes. Mas não sabíamos fazê-las melhor antes de fazê-las. (...)"
 
Quer ler a entrevista na íntegra? Clique aqui!


Texto por: Claudia Lima
Postado por: Flávia Pereira

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