quinta-feira, 16 de junho de 2011

Entrevista com Santos Sumont

Alberto Santos Dumont foi um dos grandes personagens da história brasileira e também mundial. Aeronauta, esportista e inventor brasileiro, Santos Dumont é considerado por muitos, como o inventor do dirigível, do avião e do ultraleve.
Publicada pelo projeto “Santos-Dumont, de próprio punho”, uma reveladora entrevista dada ao jornalista Frantz Reichel para a revista francesa “Lectures pour tous”, em 20 de outubro de 1913, o pai da aviação fala sobre sua paixão pela conquista do ar, como seu interesse por voar começou e até sobre lembranças pessoais. A entrevista foi um dos destaques da primeira edição de 1914 da “Lectures pour tous”, tendo sido concedida um dia após a inauguração do famoso monumento do Ícaro, construído em Saint-Cloud para marcar o pioneirismo do brasileiro. Acredita-se que foi uma das últimas entrevistas do inventor antes da I Guerra Mundial, fato que iria mudar para sempre a Europa e também sua vida.

Todos sabem que pioneiro da conquista do ar foi o famoso Santos-Dumont. Não seria interessante aprender com ele de onde veio sua vocação, como realizou seus primeiros ensaios e o que pensa do futuro da aviação? Em nome da “Lectures pour tous”, um repórter reconhecido pelo seu conhecimento em assuntos esportivos, o Sr. Frantz Reichel, solicitou que ele respondesse a estas diversas perguntas. É esta entrevista tão instrutiva, alimentada por fatos e ideias, com o Sr. Santos-Dumont e o nosso colaborador, que os nossos leitores vão encontrar aqui.

Quando e como (eu o interrompi) o senhor foi conduzido a se envolver com a aeronáutica, a se tornar o pioneiro da conquista do ar?
De maneira bem simples, que provavelmente parecerá inverossímil e extraordinária: graças às leituras de minha juventude fui influenciado a me apaixonar pela conquista do ar. E atribuo essa paixão ao maravilhoso romancista cujo gênio prodigioso, profético, nunca será célebre o suficiente, a Júlio Verne; espírito surpreendente de previsão que, com uma originalidade científica adivinhadora, construiu espontaneamente todas as grandes invenções modernas. Eu amo e venero Júlio Verne, e seria, da minha parte e da parte de todos, a pior ingratidão não reconhecer a influência considerável que ele teve no imaginário das novas gerações. Foi ele que deu a elas o gosto, a curiosidade pelas tentativas mecânicas mais audaciosas, poder-se-ia dizer as mais monstruosas. Tornou-as verossímeis, e a realidade mostrou que, na verdade, ele havia tido razão. Eu tinha, portanto, a ideia de me empenhar pela conquista do ar, que devia ser para o homem, quando fosse realizada, a causa de novas alegrias provocadas pela sensação vitoriosa de agir de maneira consciente, de viver a seu capricho, a sua vontade, em pleno ar livre. O balão esférico, do qual fui um adepto, não provoca essa sensação, essa exaltação vitoriosa. Quando levantamos em um esférico, não temos essa sensação de ação, essa impressão de movimento. É a terra que parece se distanciar; o aeronauta não tem a impressão de que ascende. Ele permanece como que imóvel”.
Seus primeiros esforços datam exatamente de qual época?
A possibilidade de conquistar o ar me pareceu evidente em 1892-93, ao longo de uma visita feita ao Salon du Cycle, instalado, naquele momento, no Palácio da Indústria de Paris, onde, pela primeira vez, expunha-se motores de automóveis: eles eram bastante pesados, de 40 a 50 quilogramas com ¼ de cavalo-vapor, e logo pensei que a indústria em pouco tempo consideraria outros resultados e que, dada a existência de um motor a explosão suficientemente potente e leve, a conquista do espaço aéreo não seria difícil.
“Não me enganara; em alguns anos, a tecnologia do motor à explosão sofreu extraordinárias transformações, devidas essencialmente ao triciclo a petróleo.
“Desde então, tive pressa de ser o primeiro a navegar em dirigível; eu sentia – como posso dizer? – que a coisa estava no ar. Para estar preparado, eu me envolvera, com empenho, na navegação aérea por meio do balão esférico, desde que se apresentara a ocasião para realizar meus projetos.


Quando o senhor desenhou e construiu seu primeiro dirigível?Foi em 1898 que construí meu primeiro dirigível – um charuto – inflado a hidrogênio, composto por uma pequena barquinha munida de um motor, de uma hélice e de um leme.
“Meu balão havia sido inflado nos ateliês de Henri Lachambre, em Vaugirard, e o dia de minha primeira saída, em fevereiro de 1898, o tempo estava horrível; nevava.
“Essa primeira saída, aliás, quase me foi fatal.
“A cinco ou seis metros de altura, sobre Longchamp, o aparelho, repentinamente, dobrou-se e a queda começou. De toda minha carreira, esta é a lembrança mais abominável que tenho guardada.
“Enquanto o balão caía, perguntava-me se os cabos que sustentavam minha barquinha não se romperiam!
“A queda durou vários minutos e tive tempo de me preparar para a morte.
“O que começara tão mal, de resto, terminou muito bem; aterrissei incólume.

 Qual é, quais são suas mais ternas lembranças?
Tenho tantas lembranças que escolher a mais terna dentre elas, a mais preciosa, é muito difícil, para não dizer impossível. E seria ingratidão.
“Não são, acredite mesmo, os dias que foram, então, considerados como aqueles de vitórias definitivas que ocupam o lugar mais importante no meu coração; recordo-me com maior emoção das primeiras tentativas, daquelas que, consolidando as audaciosas esperanças de uns e outros, e as minhas, mostravam que era de fato possível conquistar cedo ou tarde o espaço aéreo.
“Essas tentativas eram, para mim, o que são, para a mãe e o pai, os primeiros passos de um filho que, entregue à própria sorte, vai dos braços da mãe aos do pai.
“Certamente, passei por uma nobre emoção no dia em que, com felicidade, tive êxito na viagem de Saint-Cloud à Torre Eiffel, ida e volta, pois era o primeiro grande experimento do balão automóvel, mas sabe-se que, cedo ou tarde, por mim ou por outros, ele seria concluído. Tive simplesmente a magnífica sorte de ser o primeiro. Por isso, tal evento me alegrava excepcionalmente, porque provocaria, sem dúvida, emulações e, em consequência, desencadearia progressos cuja humanidade logo se beneficiaria.


 O senhor renunciara completamente à navegação aérea desde 1910. O que motivou o seu retorno?
- Retornei à navegação este ano, porque me pareceu que o motor aeronáutico havia realizado progressos tais, que se podia, enfim, construir os aeroplanos leves, robustos, práticos os quais sonhara. Quis, inicialmente, introduzir-me aos aparelhos modernos, e havia mesmo começado meu treinamento. Tentei, sinceramente, familiarizar-me com os comandos atuais; não tenho a pretensão de criticá-los, mas foi bem difícil adaptar-me a essas manobras, que são contraintuitivas; elas trabalham tanto os pés quanto as mãos e são contrárias aos gestos comandados pelo instinto. Desaprovo isso; tenho medo que, em situações graves, quando o piloto não se controla mais o suficiente, seu instinto, vencendo, dirija-o a movimentos que o fazem se perder em vez de se salvar.
“Havia imaginado um aparelho permitindo o aprendizado fácil desses diferentes movimentos, mas não pude submeter-me a essas manobras e preferi renunciar aos aparelhos modernos para retornar pura e simplesmente à minha “Demoiselle”.

Leia a entrevista na íntegra!


Texto de Priscilla Santos
Postado por Flávia Pereira

Um comentário:

  1. Muito bom. Cito esta entrevista e referência no meu blog dedicado a Júlio Verne, local onde poderão encontrar algumas entrevistas ao escritor francês: http://jvernept.blogspot.com/2008/09/entrevistas-ao-escritor-francs.html

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